quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Interpretação da lei seca segue em aberto


Tribunais estaduais têm inocentado motoristas que não fazem o teste do bafômetro ou exame de sangue, mas instâncias superiores ainda não se pronunciaram sobre o entendimento correto da lei


Sem um posicionamento dos tribunais superiores, a interpretação da nova lei seca ainda está em aberto, dizem os especialistas. Enquanto o Supremo Tri­bunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) não se pronunciarem sobre o assunto, a nova lei ainda pode continuar gerando dúvidas e decisões diferentes nos tribunais estaduais. Reportagem publicada ontem pela Gazeta do Povo mostra que, em 80% dos casos em que ocorreu a recusa do motorista para fazer o teste do bafômetro ou exame de sangue, houve absolvição, segundo o levantamento feito pelo advogado Aldo de Campos Costa.


Para Costa, a tendência é que as absolvições se mantenham. Os argumentos dele se baseiam no fato de que deve prevalecer o princípio de que ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo e de que o novo dispositivo exige a prova técnica para a configuração de crime de trânsito, uma vez que o texto especifica a quantidade máxima tolerada de álcool por litro de sangue (veja no box).


Ainda segundo Costa, 63% das absolvições que apareceram em seu levantamento se concentraram nos quatro últimos meses da pesquisa, o que pode significar uma tendência. “Esse dado reflete uma tendência de uniformização do entendimento que a lei seca resultou, de fato, mais benéfica para os infratores da norma”, afirma. Costa analisou, entre julho de 2008 e junho de 2009, 141 acórdãos (sentença de instância superior capaz de formar jurisprudência) em que se constatava a recusa, por parte do condutor, em realizar o exame técnico (bafômetro ou de sangue).


Porém, para o juiz da 2.ª Vara de De­­litos de Trânsito de Curitiba, Car­­los Henrique Licheski Klein, e o promotor de Justiça e especialista em trânsito Cássio Honorato, a interpretação da nova lei seca ainda está em aberto. “A jurisprudência não é vinculante, e se algum caso chegar para apreciação todas as provas vão ser avaliadas: os indícios de embriaguez relatados pelas testemunhas, a própria recusa, se imotivada, bem como a consulta a estudos científicos que apontem que determinada quantidade de bebida corresponde a um determinado sintoma”, explica o juiz.


Honorato, por exemplo, defende uma interpretação diferente para o artigo 306 do Código de Trânsito Brasileiro (CTB). De acordo com o promotor, o texto deste artigo pode ser dividido em duas partes. Na primeira parte, o legislador teria fixado o porcentual de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 decigramas para se configurar o crime. Na segunda parte, depois da palavra “ou”, o legislador teria aberto a possibilidade para a caracterização do crime, independentemente de quantidade, já que o texto diz que é crime o condutor dirigir “sob a influência de qualquer outra substância psicoativa”.


“Entendo que o dispositivo contém dois crimes de embriaguez. O primeiro, por excesso de alcoolemia, precisa de prova técnica. No segundo não é preciso determinar a quantidade de ál­cool e nem sequer que substância é. Pode ser crack, maconha e, inclusive, álcool”, explica Ho­­norato. “Independe de quantidade e de qual é a substância”, diz. Desde que chegou a essa conclusão, Ho­­no­­rato vem divulgando a ideia. Em fevereiro, um artigo seu sobre o assunto foi publicado na Revista dos Tribunais. “A pessoa não tem de se submeter ao exame, mas o Estado não pode se submeter à vontade da pessoa”, afirma. Em Santa Catarina, acrescenta Ho­­norato, o Centro de Apoio às Pro­­motorias já orientou os promotores a seguir essa tese.


No Paraná, o trabalho ainda é de formiguinha. Levantamento feito por Honorato mostra, por exemplo, que de 6 juízes do Tribunal de Justiça do Paraná que julgaram o assunto no último ano, 4 decidiram pela absolvição e 2, pela condenação. “Mas acho que há uma tendência de mudança”, diz.


Klein tem uma opinião semelhante à de Honorato. “É uma forma construtiva de se interpretar a lei”, diz. De acordo com o juiz, porém, um dos problemas para se obter a condenação dos condutores que dirigem embriagados e se recusam a fazer o exame técnico é a forma como a de­­núncia é formulada pelo Minis­­tério Público. “Bastaria que a denúncia reportasse a presença de uma substância química”, explica. Ao tentar denunciar os condutores por dirigir alcoolizados e a recusa ao teste do bafômetro, a Justiça fica com as mãos atadas. “Há o princípio da congruência. A pessoa não pode ser acusada de um crime e ser condenada por outro, mesmo os dois crimes estando no mesmo artigo do código”, explica. No fim, em vez de ajudar, a nova lei acabou complicando ainda mais o trabalho da Justiça. “A verdade é que houve um erro do legislador ao especificar a quantidade exata de álcool”, opina o juiz.


De acordo com Klein, por enquanto, na vara em que atua, não houve absolvição nem condenação para os casos de motoristas flagrados dirigindo embriagados e que se recusaram a fazer exame. “Tive dois casos em que houve a recusa do exame. Recebi a denúncia e o réu optou pela suspensão condicional do processo”, explica. Por esse procedimento, o mérito do processo deixa de ser discutido, mas o réu se obriga a cumprir algumas condições impostas pelo juiz. O benefício só pode ser aplicado em determinados casos.
Legislação
Veja o que diz a Lei nº 11.705/08, que alterou o Código de Trânsito Brasileiro (CTB) e passou a ser conhecida como lei seca:
Art. 306
- Conduzir veículo automotor, na via pública, estando com concentração de álcool por litro de sangue igual ou superior a 6 (seis) decigramas, ou sob a influência de qualquer outra substância psicoativa que determine dependência.
Penas
- Detenção, de seis meses a três anos, multa e suspensão ou proibição de se obter a permissão ou a habilitação para dirigir veículo automotor
Matéria publicada na Gazeta do Povo

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